GRAVATAÍ
– entre dois aniversários, uma meia festa, arrumamos as gravatas
Nasci,
moro e trabalho numa cidade que tem dois aniversários e uma meia
festa. Assim, o povoado colonial, chamado Aldeia dos Anjos, no dito
pelo não dito dos historiadores, se fala que foi fundado em 08/04 de
1763. Mas foi em 23/10 de 1880 que inventaram o município moderno
com nome de rio, Major Bernardo pra lá, Cel. Fonseca pra cá, flores
de gravatá no meio dos governamentos ilustres que seguem desde
então. Ainda temos, ou melhor, os católicos têm, como eram meus
avós, a festa da padroeira: Nossa Senhora dos Anjos em 02/08,
padroeira também da Costa Rica na América Central e de Los Angeles,
logo ali na Califórnia, EUA, me informam dois demônios que esperam
ônibus na parada e gostam de ler sobre geografia e as coisas do céu.
A seguir o roteiro do povoado fundado no século XVIII, podemos
arrotar entre a gauchada que estamos assim assim entre a meia dúzia
de cidades mais veteranas do Rio Grande do Sul! Algo como: Rio Grande
(1737), Santo Antônio da Patrulha (1743), Viamão (1747), Triunfo
(1754), Porto Alegre dos Casais (1772): ops, a capital surgiu depois
de nós! Caceta! Mas isso é polêmico como o sexo dos anjos, ainda
por cima morando na terra deles. Então me calo.
O
povoamento colonial é mais ou menos assim: por volta de 08
de abril de 1763 o capitão Antônio Pinto Carneiro chegou ao
Vale do Rio Gravataí com cerca de mil e um índios guarani vindos
dos Sete Povos das Missões (as cidades barrocas entre São Borja e
Santo Ângelo, vocês sabem). Depois das Guerras Guaraníticas
(1753-1756) em que o índio Sepé Tiaraju (com seu lunar mágico à
testa) se juntou com outros índios missioneiros putos dos cornos e
de vários padres jesuítas putos também, mas mantendo o decoro pra
não cometerem muitos pecados, botaram bravamente pra cima dos mandos
e desmandos do Império de Portugal e da Espanha aqui no Sul do
Brasil Colônia. Depois da guerra, perdida, como a maioria das
guerras, dizia eu, o Rio das Bromélias (Gravataí) e o Morro
Itacolomy (ou do Menino de Pedra) acolheram a essa gentarada
cansada de briga. Não demoraria muito e a Aldeia de Nossa
Senhora dos Anjos receberia também famílias portuguesas vindas
das nove ilhas de Açores, sacolejando heroicamente em naus
catarinetas, sete anos e um dia no mar; trabalhadores africanos
escravizados desde a Nigéria, Angola e Moçambique – e que aqui
ergueram os seus quilombos (do Paredão, logo ali em Taquara; Manuel
Barbosa, aqui mesmo, quase em Glorinha) para cultuarem os orixás e a
distante Mama África do outro lado do mar Atlântico; muitos
portugueses e espanhois
aleatórios vieram cafungar aqui, atrás de índias, ouro e terra (se
vê, quando acharam uma coisa, não acharam a outra); vários colonos
alemães (a partir de 1824 foram branquejar germanices nas redondezas
desde São Leopoldo e Novo Hamburgo no vale do Rio dos
Sinos); italianos (a partir de 1875 na Serra gaúcha, um pouco
em Sto. Antônio também, trazendo seus vinhedos cultivados aos
gritedos de galinha com polenta); poloneses na polska Erechim e
de lá pro cosmos pampa; japoneses (a partir de 1908 desde São
Paulo, meu amor) que vieram se achegando. Para cada manso trabalhador
em busca de mansidão, um sem fim de conflitos.
Digo
mais – para desespero dos gloriosos governamentos da Aldeia, foi
a Gregória Rita Coelho de Mendonça, bem provável, a 1ª
professora pública do RS, alfabetizando os guarani da Aldeia no
século XVIII, suas crianças e idosos... Se ainda se usasse lista
telefônica, sopra-me o demônio estudioso, no ouvido esquerdo,
proveitoso seria eu procurar o número do ilustre carreteiro da
Costa, o matadouro de gado do Fonseca, o tambo de leite do Gomes,
passear pelo Passo das Canoas com o Pacheco, jogar o jogo do osso com
o Maciel, espiar o arrozal do Rosa, e as cochas da filha do
Rodrigues, o Sarmento e o Soares contando causo de assombração na
botica da Rua de Baixo; entre outros bons momentos com os coroneis da
farinha. Talvez embaralhei algum nome aí. Com a boca cheia de
mandioca em pó, gargalharia pifado no carteado que eu não sei
jogar...
Deste
município nasceram outros – Canoas (1939), Cachoeirinha (1966)
e Glorinha (1988). Porém, uma velha amiga marxista
(ou seria um demônio?) escreve-me atucanada, me alembrando temerosa
de meus preguiçosos esquecimentos, antes que acabe esta croniquinha,
que a rural Aldeia dos Anjos virou cidade mesmo somente entre os anos
de 1968 e 1982 ao receber um Distrito Industrial. Distrito este
sucedido no ano 2000 pela inauguração de uma montadora de
automóveis multinacional com seu complexo industrial próprio (e
muitas isenções fiscais).
Nesse
processo de modernização econômica surgiram os bairros
operários (Moradas do Vale I, II e III; COHAB´S A, B
e C), ademais bairros e comunidades suburbanas na periferia da cidade
– que é o “povo das paradas” (de ônibus). Igualmente vieram
os condomínios fechados e belos residenciais em que se dá oi,
chegando ou partindo, a um guarda na portaria, seguramente, dos
cumprimentos e dos ladrões. Na real, continuamos uma aldeia, só que
agora global!
(C.
A. Albani da Silva, o Inventor do Vento)
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