terça-feira, 7 de maio de 2019

A IDADE MÉDIA por FRANCISCO VILLON



A IDADE MÉDIA por FRANCISCO VILLON

(500 a 1500)

Pensamento da Silva me convidou para tomar uma cerveja no bar com nosso amigo medieval FRANÇOIS VILLON (1431-1463), grande poeta, goliardo, ou seja, trocou a batina de padre que o seu tio Guilherme, sacerdote rico, queria lhe enfiar, para viver na vida boêmia. Francisco, digo, François, aos trinta anos de idade, sumiu do mapa e só foi reaparecer em Gravataí, no século XXI brasileiro, para tomar uma cerveja com a gente. Estava cheio de perguntas pra lhe fazer sobre seus poemas malditos e debochados, reunidos em livrinhos como o pequeno e o grande TESTAMENTO, afinal, musiquei um de seus famosos poemas, a BALADA DAS COISAS SEM IMPORTÂNCIA, mas não teve jeito, Pensamento da Silva quando bebe um copo a mais se põe a falar só de História e ele encheu o poeta de perguntas sobre a Idade Média.

Pra quem não sabe foi no fim do Império Romano, por volta do ano 500, que começou a Idade Média. O Império foi destruído pelas guerras de fronteira e pelo enfraquecimento da escravidão (que produzia quase toda a riqueza da cidade de Roma). Após mil anos dominando os outros povos desde Cartago (na África) até a Gália (na França) foi a vez dos povos bárbaros do Oriente e da Alemanha atacarem Roma.

François, que estudou teologia no colégio de Navarra, destacou as mudanças espirituais que levaram a humanidade do mundo antigo ao mundo medieval (pelo menos uma parte da humanidade). Em meio a essa grande crise social do Império Romano na Itália, a religião pagã (cheia de festas e rituais politeístas) perdeu poder enquanto se fortaleceu a crença cristã na salvação da alma, surgida dentro da religião judaica. Em 325 a Igreja Católica montou a Bíblia (juntou o Velho Testamento dos hebreus com mais quatro Evangelhos escolhidos dentre dezenas de outros evangelhos chamados apócrifos, mais dezenas de cartas, atos e um apocalipse, tudo escrito por apóstolos dos apóstolos). Já em 1054 ocorreu a primeira grande divisão no cristianismo: o surgimento da Igreja Ortodoxa ou Oriental na Grécia, na Rússia e no Leste europeu, não mais seguindo as regras do Papa de Roma.

Para Villon, os novos protagonistas da Idade Média foram as tribos germânicas e os povos hunos asiáticos que atacaram furiosamente Roma. Por isso, os romanos chamaram os inimigos de povos bárbaros. Ao mesmo tempo, os seguidores de Cristo passaram a ter poder, diferente da Antiguidade, quando eram desconhecidos.

Roma perdeu a influência política para a cidade de Bizâncio, também chamada de Constantinopla, pois seu padrinho foi o imperador Constantino, o primeiro a temer a fé cristã. Hoje Constantinopla é a atual Istambul na Turquia. Recomendei a Villon que leia o livro, sobre essa cidade incrível, Istambul, escrito pelo prêmio Nobel de 2006, Orhan Pamuk, e François, muito folgado, de cara me pediu o livro emprestado. Vou emprestar, claro, pois acredito que conhecimento é conhecimento compartilhado.

O Império Bizantino ficava de frente para a Mongólia e os seus cavaleiros e ficava no rumo da riqueza dos impérios da Índia e da China no Extremo Oriente, contou François o já sabido, mas fingimos que não sabíamos. Enquanto falávamos, François ficava sempre de olho nos rabos de saia que passavam perto do bar, na calçada. Chegou a dizer que nas moças de Gravataí havia reencontrado “as neves de antanho”, ou seja, as mulheres lindas do seu tempo que o próprio tempo havia devorado: Flora, a romana (que coxas, dizia); Joana, a bela de Lorena (que lábios, dizia).

Pensamento da Silva reclamou que tinha uma dificuldade desgraçada para entender o FEUDALISMO, nos tempos de estudante da escola básica. No que François Villon emendou: foi o modo de vida medieval em que predominava o trabalho rural dividido numa sociedade de nascimento: ou se nascia na nobreza (reis e senhores feudais, ou seja, os fazendeiros), ou se nascia um guerreiro da cavalaria, ou um religioso do clero (padres e monges) ou um servo com a enxada e o arado na mão (um agricultor). Eu enchi o saco disso tudo e fui cantar putarias nas tabernas, disse François. A minha predileta em Paris era a taberna do Velho Ari, sempre com bom vinho, fofocas e música ao vivo.

Mas voltando ao feudalismo, alguns grandes feudos deram origem a grandes reinos como o de Carlos Magno na França, como o Sacro Império Germânico na Alemanha, como Bizâncio em Constantinopla, os Vikings na Escandinávia, e até mesmo a Igreja Católica em Roma também com seus mosteiros por toda a Europa.

Além disso tudo, surgiu no deserto da Arábia medieval uma nova fé monoteísta: o islamismo do profeta Maomé e seu livro sagrado Alcorão. O povo muçulmano saiu das cidades de Meca e Medina para desde 622 se espalhar pelo mundo e, com seus califas (reis) dominar desde a Espanha medieval (Andaluzia), passando pelo norte da África e a Índia.

Daí entendemos, mas embora nunca concordando, o motivo das CRUZADAS que foram guerras, nove ao todo, em que os reis cristãos tentaram destruir os muçulmanos da Palestina e de Jerusalém entre 1096 e 1270. Gente como Ricardo Coração de Leão (1157 a 1199) e São Luís IX (1214 a 1270) que bateram em muitos árabes em nome de deus e apanharam, igualmente em nome de deus, de outros árabes como o guerreiro Saladino (1138 a 1193).

Pedimos então para Villon falar sobre a INQUISIÇÃO. Ele foi direto e reto! O Tribunal do Santo Ofício da Inquisição foi criado pela Igreja e durou entre 1231 e 1834, atuou em toda a Europa e também na América colonial depois de 1500. Esse tribunal perseguia, julgava e punia os hereges: pessoas que supostamente desrespeitavam a fé cristã e os costumes feudais. As investigações de padres e religiosos abusavam da tortura e da espionagem assim como suas sentenças (autos de fé) usavam castigos públicos, prisão perpétua, humilhações e até a morte na fogueira. Era proibido ser judeu, muçulmano, pensador, homossexual, pagão. As mulheres, devido ao machismo da época, que lhes tratava como bruxas quando não eram totalmente submissas aos maridos e pais, foram extremamente perseguidas e atacadas pelos fanáticos religiosos. O mais famoso inquisidor foi Tomás de Torquemada (1420-1498), na Espanha. François me disse que tomou um copo de vinho com ele, uma vez, e desde então suspeitava que daquele carola recalcado, que vivia dando em cima dos menininhos da aldeia, não podia sair boa coisa. A vítima mais famosa da Inquisição foi o cientista italiano Giordano Bruno (1548-1600) que desafiou a Igreja, contestando a crença de que a Terra era o centro do universo, acreditando em reencarnação e duvidando do confuso mistério (todo o mistério é confuso, tive de corrigir o François) o mistério da Santíssima Trindade (Deus Pai, Deus Filho e o Espírito Santo).

Pensamento da Silva concluiu perguntando: e essa modinha de sentir saudade ou ser fã da Idade Média por causa de filmes, séries, jogos e concursos de fantasias? O que tu achas? Me antecipei ao François e disse que isso já aconteceu no movimento romântico do século XIX, no que Pensamento da Silva me mandou calar a boca, pois que gostaria de ouvir nosso poeta rebelde. O poeta disse simplesmente então: acho uma merda! Se continuar assim, sumo daqui também!
(c. a. albani da silva, o inventor do vento)

P.S: Ilustração por Remy Hetreau (1913-2001) para marca de perfume com o nome do poeta, 1946.



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