A
IDADE MÉDIA por FRANCISCO VILLON
(500 a 1500)
Pensamento
da Silva me convidou para tomar uma cerveja no bar com nosso amigo
medieval FRANÇOIS VILLON (1431-1463), grande poeta, goliardo, ou
seja, trocou a batina de padre que o seu tio Guilherme, sacerdote
rico, queria lhe enfiar, para viver na vida boêmia. Francisco, digo,
François, aos trinta anos de idade, sumiu do mapa e só foi
reaparecer em Gravataí, no século XXI brasileiro, para tomar uma
cerveja com a gente. Estava cheio de perguntas pra lhe fazer sobre
seus poemas malditos e debochados, reunidos em livrinhos como o
pequeno e o grande TESTAMENTO, afinal, musiquei um de seus famosos
poemas, a BALADA DAS COISAS SEM IMPORTÂNCIA, mas não teve jeito,
Pensamento da Silva quando bebe um copo a mais se põe a falar só de
História e ele encheu o poeta de perguntas sobre a Idade Média.
Pra
quem não sabe foi no fim do Império Romano, por volta do ano 500,
que começou a Idade Média. O Império foi destruído pelas guerras
de fronteira e pelo enfraquecimento da escravidão (que produzia
quase toda a riqueza da cidade de Roma). Após mil anos dominando os
outros povos desde Cartago (na África) até a Gália (na França)
foi a vez dos povos bárbaros do Oriente e da Alemanha atacarem Roma.
François,
que estudou teologia no colégio de Navarra, destacou as mudanças
espirituais que levaram a humanidade do mundo antigo ao mundo
medieval (pelo menos uma parte da humanidade). Em meio a essa grande
crise social do Império Romano na Itália, a religião pagã (cheia
de festas e rituais politeístas) perdeu poder enquanto se fortaleceu
a crença cristã na salvação da alma, surgida dentro da religião
judaica. Em 325 a Igreja Católica montou a Bíblia (juntou o Velho
Testamento dos hebreus com mais quatro Evangelhos escolhidos dentre
dezenas de outros evangelhos chamados apócrifos, mais dezenas de
cartas, atos e um apocalipse, tudo escrito por apóstolos dos
apóstolos). Já em 1054 ocorreu a primeira grande divisão no
cristianismo: o surgimento da Igreja Ortodoxa ou Oriental na Grécia,
na Rússia e no Leste europeu, não mais seguindo as regras do Papa
de Roma.
Para
Villon, os novos protagonistas da Idade Média foram as tribos
germânicas e os povos hunos asiáticos que atacaram furiosamente
Roma. Por isso, os romanos chamaram os inimigos de povos bárbaros.
Ao mesmo tempo, os seguidores de Cristo passaram a ter poder,
diferente da Antiguidade, quando eram desconhecidos.
Roma
perdeu a influência política para a cidade de Bizâncio, também
chamada de Constantinopla, pois seu padrinho foi o imperador
Constantino, o primeiro a temer a fé cristã. Hoje Constantinopla é
a atual Istambul na Turquia. Recomendei a Villon que leia o livro,
sobre essa cidade incrível, Istambul, escrito pelo prêmio Nobel de
2006, Orhan Pamuk, e François, muito folgado, de cara me pediu o
livro emprestado. Vou emprestar, claro, pois acredito que
conhecimento é conhecimento compartilhado.
O
Império Bizantino ficava de frente para a Mongólia e os seus
cavaleiros e ficava no rumo da riqueza dos impérios da Índia e da
China no Extremo Oriente, contou François o já sabido, mas fingimos
que não sabíamos. Enquanto falávamos, François ficava sempre de
olho nos rabos de saia que passavam perto do bar, na calçada. Chegou
a dizer que nas moças de Gravataí havia reencontrado “as neves de
antanho”, ou seja, as mulheres lindas do seu tempo que o próprio
tempo havia devorado: Flora, a romana (que coxas, dizia); Joana, a
bela de Lorena (que lábios, dizia).
Pensamento
da Silva reclamou que tinha uma dificuldade desgraçada para entender
o FEUDALISMO, nos tempos de estudante da escola básica. No que
François Villon emendou: foi o modo de vida medieval em que
predominava o trabalho rural dividido numa sociedade de nascimento:
ou se nascia na nobreza (reis e senhores feudais, ou seja, os
fazendeiros), ou se nascia um guerreiro da cavalaria, ou um religioso
do clero (padres e monges) ou um servo com a enxada e o arado na mão
(um agricultor). Eu enchi o saco disso tudo e fui cantar putarias nas
tabernas, disse François. A minha predileta em Paris era a taberna
do Velho Ari, sempre com bom vinho, fofocas e música ao vivo.
Mas
voltando ao feudalismo, alguns grandes feudos deram origem a grandes
reinos como o de Carlos Magno na França, como o Sacro Império
Germânico na Alemanha, como Bizâncio em Constantinopla, os Vikings
na Escandinávia, e até mesmo a Igreja Católica em Roma também com
seus mosteiros por toda a Europa.
Além
disso tudo, surgiu no deserto da Arábia medieval uma nova fé
monoteísta: o islamismo do profeta Maomé e seu livro sagrado
Alcorão. O povo muçulmano saiu das cidades de Meca e Medina para
desde 622 se espalhar pelo mundo e, com seus califas (reis) dominar
desde a Espanha medieval (Andaluzia), passando pelo norte da África
e a Índia.
Daí
entendemos, mas embora nunca concordando, o motivo das CRUZADAS que
foram guerras, nove ao todo, em que os reis cristãos tentaram
destruir os muçulmanos da Palestina e de Jerusalém entre 1096 e
1270. Gente como Ricardo Coração de Leão (1157 a 1199) e São Luís
IX (1214 a 1270) que bateram em muitos árabes em nome de deus e
apanharam, igualmente em nome de deus, de outros árabes como o
guerreiro Saladino (1138 a 1193).
Pedimos
então para Villon falar sobre a INQUISIÇÃO. Ele foi direto e reto!
O Tribunal do Santo Ofício da Inquisição foi criado pela Igreja e
durou entre 1231 e 1834, atuou em toda a Europa e também na América
colonial depois de 1500. Esse tribunal perseguia, julgava e punia os
hereges: pessoas que supostamente desrespeitavam a fé cristã e os
costumes feudais. As investigações de padres e religiosos abusavam
da tortura e da espionagem assim como suas sentenças (autos de fé)
usavam castigos públicos, prisão perpétua, humilhações e até a
morte na fogueira. Era proibido ser judeu, muçulmano, pensador,
homossexual, pagão. As mulheres, devido ao machismo da época, que
lhes tratava como bruxas quando não eram totalmente submissas aos
maridos e pais, foram extremamente perseguidas e atacadas pelos
fanáticos religiosos. O mais famoso inquisidor foi Tomás de
Torquemada (1420-1498), na Espanha. François me disse que tomou um
copo de vinho com ele, uma vez, e desde então suspeitava que daquele
carola recalcado, que vivia dando em cima dos menininhos da aldeia,
não podia sair boa coisa. A vítima mais famosa da Inquisição foi
o cientista italiano Giordano Bruno (1548-1600) que desafiou a
Igreja, contestando a crença de que a Terra era o centro do
universo, acreditando em reencarnação e duvidando do confuso
mistério (todo o mistério é confuso, tive de corrigir o François)
o mistério da Santíssima Trindade (Deus Pai, Deus Filho e o
Espírito Santo).
Pensamento
da Silva concluiu perguntando: e essa modinha de sentir saudade ou
ser fã da Idade Média por causa de filmes, séries, jogos e
concursos de fantasias? O que tu achas? Me antecipei ao François e
disse que isso já aconteceu no movimento romântico do século XIX,
no que Pensamento da Silva me mandou calar a boca, pois que gostaria
de ouvir nosso poeta rebelde. O poeta disse simplesmente então: acho
uma merda! Se continuar assim, sumo daqui também!
(c.
a. albani da silva, o inventor do vento)
P.S: Ilustração por
Remy Hetreau (1913-2001) para marca de perfume com o nome do poeta,
1946.
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