QUEM
NUNCA RECEBEU UMA BÍBLIA DO GIDEÃO?
Quem
nunca teve uma aula interrompida na escola pública para receber seu
exemplar da Bíblia do Gideão? Os gideões são aqueles tiozinhos
simpáticos, que chegam como alguém que não quer nada, senão
pisando em ovos mesmo, mas te contam uma poderosa receita de bolo:
que um dia estiveram estropiados na vida, mas viraram empresários,
ainda que micro, muito bem-sucedidos, tendo uma família bonita, de
filhos que não repetiram seus erros na juventude e hoje são lindos,
inteligentes e fortes como eles não foram. Por isso os gideões
distribuem gratuitamente a Bíblia, ou trechos dela, aos jovens
cabeças de vento que habitam as nossas escolas.
O
Gideão que lhes inspira é um desses clássicos heróis do Antigo
Testamento bíblico, com uma história perfeita para educar as
criancinhas: o Gideão original estava lá no Oriente sovando farinha
de trigo quando um anjo veio e lhe mandou escorraçar as tribos pagãs
que incomodavam os hebreus na sua época de antigamente.
O
moço então convocou 300 guerreiros, escolhidos porque invés de
beberem água que nem gente no rio Jordão eles beberam a água do
rio que nem cachorros (a lambidas, entenda-se). Depois, eles
assustaram os inimigos com um jarro que tinha fogo dentro e não
água! Pois é, daí foi só a pancadaria que rolou solta. Inclusive,
Gideão, o filho de Joás, da tribo de Manassés, com seus
guerreiros, arrebentou com os chefes das gangues rivais, tanto do
deserto quanto as ribeirinhas, esfolou e decapitou a rapaziada
inimiga de boas. Assim, Gideão ficou 40 anos sendo o mais poderoso
da sua região. Teve muitas esposas e uma amante, com 70 filhos para
criar.
Veja
como os homens de antigamente eram muito mais honrados mesmo: hoje em
dia um machão teria 70 amantes mais uma esposa, e, provavelmente,
não assumiria nenhum filho. Enfim…
Você
pode ler essa história melhor lá em JUÍZES, capítulo 6, e
seguintes, do Velho Testamento hebraico. Resumir a Bíblia é muito
difícil porque ela já é um resumo. Se muito cristão se desse
conta disso, tinha muito padre e pastor desempregado, por aí,
atualmente.
Infelizmente
os gideões não colocam o capítulo de Gideão no livrinho
azul-escuro que distribuem pelo mundo que é quando a Bíblia vem
traduzida em outras línguas que não o inglês deles (dos gideões).
O livrinho de bolso desses missionários, portanto, vem assim “só”
com o Novo Testamento mais os Salmos de Davi e os Provérbios do rei
Salomão.
Mas
da onde vieram esses gideões internacionais, que imprimem essas mini
Bíblias e espalham elas aos quatro ventos em muitas línguas? Eles
surgiram em 1899 nos EUA. Ao menos é o que conta a própria lenda
deles! Foi lá no Wisconsin. Curiosamente a sede deles agora fica na
terra da música country: Nashville.
Mas
vejam que coisa braba é você pesquisar sobre os cidadãos que
criaram os gideões. É difícil encontrar bons livros ou páginas de
internet sobre eles. Todas as fontes falam só que três homens,
comerciantes do Noroeste dos EUA, levaram o crédito. Mas seus nomes
se embaralham com o de outros homens com nomes parecidos, igualmente
evangélicos e empresários poderosos na América do Norte da virada
do século XIX pro século XX.
Um
deles, chamado Samuel Hill, ou Sam, para os íntimos, eu pensei
inicialmente que tinha vivido entre 1857 e 1931. Que tinha sido um
advogado dos trens que cortavam o Oregon, nos EUA, nessa época da II
Revolução Industrial. Pensei que sua família era de quacres,
aquela sociedade de amigos de Jesus que sonhava com uma democracia
espiritual na Inglaterra do século XVII e, em 1656, chegou a Boston,
corrida pelos reis ingleses. Pensei que esse tal Sam Hill era o que
tinha trabalhado com o seu papai, mas que depois de um tempo ambos se
desentenderam e o Sam fez fortuna como o grande precursor das
estradas asfaltadas pelo interior dos EUA. Consta que disse inclusive
assim, uma frase bem famosa: “Boas estradas são mais do que um
passatempo, são a minha religião”. E fiquei pensando se isso não
era pecado, mas não levei adiante esse pensamento porque sempre
encontramos justificativas pra tudo quando queremos olhar as nuvens
digo ler a Bíblia.
Pensei
que esse Sam Hill, o grande empreendedor, foi quem vendeu, em
Seattle, gás e luz elétrica pro povo. Que viajou dezenas de vezes
pela Europa e até pelo Japão. Que construiu um rancho chamado
Maryhill, em Washington, onde ergueu um Arco pela Paz entre os EUA e
o Canadá, um Museu de Arte e até uma réplica do Stonehenge
(aquelas pedras antigas dos celtas e dos gauleses que habitavam a
Grã-Bretanha). Jurava que, pronto, aí estava o primeiro grande
gideão internacional. Qual nada! Este Sam Hill existiu bem assim,
conforme escrevi acima. Mas que raio, descobri em seguida, não sem
mil horas de leituras!, lá numa quase perdida reportagem de 1936 do
jornal The New York Times, digitalizada e tudo, que esse Samuel Hill,
embora bem parecido com o outro, não era o homem que eu queria. O
meu homem era SAMUEL E. HILL (1867-1936), o verdadeiro que aparece
nos anais dos próprios gideões como um seu fundador, mas que quase
não se encontra mais nada de interessante nem relevante na selva
digital que é a internet.
Os
outros dois gideões, de acordo com outro famoso jornal
norteamericano, desta vez, o jornal Washington Post, descubro eu ao
ler em reportagem, sem data, no portal desse jornalão, que foram
JOHN NICHOLSON (1858-1946), um vendedor de alumínios que em 1899
topou, na cidade de Boscobel, no Hotel Central desta cidadezinha, com
o Sam Hill. Este que viajava também a negócios no mesmo lugar e
hotel e época e eu confundi com o outro cara que tinha uma puta
biografia. E eu pensei, caramba, o homem ainda espalhou mil Bíblias
pelo mundo... Mas eu estava enganado, como já disse.
No
quarto 19 do hotel de Boscobel, desde 1987 fechado, porque em ruínas,
em meio a uma noite chuvosa, foi que John e Sam se recolheram aos
seus quartos, ambos foram os únicos dois homens religiosos da
ocasião que se puseram a rezar em meio a uma algazarra, as
beberagens e à folia dos outros hóspedes. Assim os dois fizeram um
pacto para espalhar Bíblias pelo mundo. Ainda arregimentaram depois,
em um segundo encontro, um tal WILLIAM KNIGHTS (1853-1940) que buscou
no Gideão dos Juízes hebreus o modelo de obediente evangélico
conquistador.
Aliás,
os gideões só aceitam homens como protagonistas em suas pregações
nômades, inclusive também eles não aceitam católicos. Consta na
Wikipédia que já são mais de 2 bilhões de Bíblias que eles
distribuíram. Em 93 anos de missão, metade desse número foi
alcançado, e, em apenas 14 anos, a outra metade.
O
livrinho que, só na sua casa, adivinho, deve ter uns cinco, é
impresso na Pennsylvania, nos EUA, com edição da Sociedade Bíblica
Trinitariana do Brasil, grupo de editores bíblicos original da
Inglaterra de 1831. E a tradução é de João Ferreira de Almeida.
Mas se eu for te contar sobre este tradutor português, nascido em
1628, que trabalhou para o Império holandês no Ceilão e na ilha de
Java, na Indonésia, que faleceu em 1691, sem concluir a tradução
do Velho Testamento, mas tendo feito a mais lida das traduções
protestantes do Novo Testamento para a língua portuguesa, rapaz, eu
ia começar outra crônica enorme pois vai uma longa e misteriosa
história. Saber quem ele foi é tão difícil quanto foi, para mim,
estudar os três primeiros gideões internacionais.
A
trilha sonora para esta crônica fica a cargo dos Beatles: em 1968, o
Paul McCartney cantou na canção ROCKY RACOON sobre um caipira de
Dakota que tomou um dedaço nos olhos quando sua esposa Magill fugiu
com outro cara, chamado Dan. Rocky foi de atrás dos dois, louco de
raiva e armado. Encontrou em uma cabeceira, no quarto do hotel, onde
se hospedou, ao lado do quarto do casal de traidores, uma Bíblia do
Gideão e não deu a mínima. Pois a única ideia dele era meter bala
nas pernas dos dois canalhas. Mas Dan, o garanhão, foi também mais
ligeiro no revólver e baleou o Rocky primeiro. Estirado de volta na
cama do seu quarto pelo doutor que trabalhava por ali e gostava de
mandar ver numa garrafa de gim, por isso sempre com um famoso bafo e
um perfume etílico, o Rocky se agarrou na Bíblia dos Gideões e
disse ao médico, “saindo dessa, dotô, sairei renascido”. Se
referia ao livrinho, creio eu.
Sem
mais, dedico este preguiçoso exercício de jogar conversa fora ao
Sábio de Voltaire (1694-1778), o grande escritor francês que anotou
em seu DICIONÁRIO FILOSÓFICO de 1764: “Se a nossa santa religião
foi muitas vezes corrompida por esse furor infernal, a loucura dos
homens é a principal responsável”.
(c.
a. albani da silva, o inventor do vento)
MUITOINTERESSANTE a parte que mais gostei é de saber porque raioso antigo tesamento não está, porque nã temrinou de ser traduzido, e claro, só homens, óh, que surpresa.Será que é pra evitar a fadiga das mulheres ou pra evitar conviver com elas?... vai sabe. Obrigadão pela pesquisa.
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