quarta-feira, 15 de maio de 2019

OS 140 FILHOS DE MÃE NANA – parte 5



Dedico a parte 5 do meu livro “OS 140 FILHOS de MÃE NANA”, que eu vou postando como a um folhetim virtual, a duas pessoas muito queridas que esta semana me surpreenderam com presentes: a excelente aluna Cila Carvalho que me deu A BORBOLETA AMARELA, do tremendo cronista Rubem Braga, e eu lhe retribui com o meu livro A MENINA do COLAR e a GIRAFA ELÉTRICA; e a Professora Taís WB, companheira de greves e outras humanidades que me deu o livro de GUSTAVO BEHR: Bairro Alto, Cidade Baixa. O cara manda ver em sua guitarra e em sua escrita lá em Lisboa e ainda encontra túneis entre Portugal e Porto Alegre. Lhes devo presentes ultramarinos agora. O vício da leitura tem dessas coisas maravilhosas: é uma bola de neve, ou melhor, de papel. Mas como Mãe Nana é muito ciumenta, deixo o leitor logo com ela, apresentando mais 05 de seus filhinhos, antes que ela me encha de cascudos fictícios:

OS 140 FILHOS DE MÃE NANA – parte 5

GONÇALO: Demorarei muito pra escolher o nome deste meu filho. Começarei por Anderson, mas me agradará mais Peterson. Só que este nome, por algum motivo, talvez a sonoridade, não sei, me fará lembrar de Patrício ou Patrick, nomes que eu detestarei. Seu batismo, por essa e por outras, ocorrerá na pia de um banheiro de rodoviária. O escrivão que vai datilografar a sua certidão de nascimento me dirá: “Olha, Sinhá Nana, escolher nome de filho é sempre um problema. Tenho 04, e um quinto está a caminho, e deixo sempre pra minha mulher essa incumbência. Sempre existiu outro alguém antes que fez bom ou mau uso desse nome. E daí pra saber do bem e do mal já é uma trabalheira dos diabos”.
Ficarei com Gonçalo, que é o nome do meu avô mais legal e de um santo português.

MAICON: Aos 17 anos vai embarcar no porto de Santos, já que o dos Orixás estará fechado para reformas e o mar o levará ao encontro daquilo que a terra não lhe pode dar: botas de couro espanhol. Um pé de sua tão sonhada bota dará a Mãe Nana, o outro pé da bota dará a uma amante, não sei se na bunda de uma delas ou das duas. Maicon vestirá o pala de um índio aimará e meias usadas de um índio quéchua que não sentia frio nos pés; um tigre por inteiro vestirá por dentro. Na marinha mercante os negócios serão sempre pacíficos no Pacífico e atlânticos no Atlântico. Por isso lhe direi que os fuzileiros navais, estes, sim, entram em guerra com merlins, peixes-rei, sereias e caranguejos. Moreno de quatro ventos nas quatro faces da cara, com sol e sal lhe temperando o espírito até o naufrágio chegar, este será o belo Maicon. Partiu somente porque fiz questão de lhe dizer que os tubarões estavam famintos e chamavam por ele sem mais demora.

SARAH: Sempre acima do peso, Sarah não se entenderá com as balanças nem com seu ponto de equilíbrio. Sempre quando contrariada, já adulta, mãe de menina grande, diplomada na escola da vida e outras universidades, vai sapatear, chorar e soluçar sempre afirmando que os seus percalços e problemas é que são dignos de dó. Ouvintes rirão, incrédulos, ou mais sabidos na própria carne de lambadas e cagadas realmente grandes; ouvintes terão pena e destinarão lenços para seu amparo. Veja você mesmo se a sua filha for embora de casa muito cedo e se isso lhe porá de joelhos, sendo Sarah você. São poucas as linhas do tempo e do destino, e o novelo de quase todos os filhos de Nana se enrola e desenrola no tricô dessa manta que teima em não ficar pronta enquanto sigo parindo e fazendo amor. Bem antes de achar um homem que preste, vai conversar com orixás e bruxas nas matas, fantasmas nas casas mal e bem assombradas que lhe ensinarão que a piedade e a compaixão advirão dos afoitos e inexperientes, grosso modo. Por falar demais dará com a língua nos dentes e com os dentes no céu da boca o que provocará mordidas e arranhões em suas nuvens. Ao fim e ao cabo, deitará com orgulho de si mesma: não tendo engolido tantos sapos quanto algumas amigas silenciosas e tendo ajudado a muitas gentes em horas difíceis.

FRANCINE: O dom de Fran será petrificar os namorados. Alguns dirão que por efeito de seus olhos verdes de Medusa, outros, mais safados, que pela bundinha petulante de arrebitada, mas, na verdade, por obra e graça dessa madrinha de destinos que é a Mãe Nana. Os pretendentes virarão belas estátuas e nelas os colibris beberão água com açúcar preparada por Fran, nua ao acordar, antes do banho da purificação para deixar ainda mais alva a pele na banheira plena de sais e rosas com desdém.

TAÍS: No grande e luxuoso Hotel das Dores, Taís limpará a mesa comprida do salão executivo e nunca sentará à cabeça dela. Enxugará centenas de pratos por dia, varrerá o chão por gosto, pois o chão não é lugar de cuspir. Nos arrabaldes do fim do mundo ficará sua casa, limpa e cheirosa. Enquanto os 05 filhos pedem mamá, dedeira e bicos de tetas e bicos de borrachas ela limpa o mundo. Entretanto, o filho do grande fazendeiro William, num dia triste, rachará a cabeça de Taís, sem mais nem menos. Antes ele ainda passará a mão na bunda dela. E, logo em seguida, o jovem burguês vai achatar a cabeça da faxineira com uma barra de ferro e muita brutalidade. Pegará uma sentença de 06 meses de reclusão. O juiz era amigo de longa data e comprava o seu fumo das plantações de William, o grande fazendeiro.

[...]
Neste MÊS das MÃES, rendo homenagens a uma grande amiga: a MÃE NANA. Mesmo sendo freira, Mãe Nana é a que teve 140 filhos e determinou o destino de cada um deles logo que os ia parindo e batizando ao som do blues, do samba e do brega, suas paixões musicais de toda uma vida, bem comprida, aliás. Para não se atrapalhar, a Mãe Nana anotou o destino, pois que maternidade é destino, de cada um dos 140 filhos num caderno de contas que desde 2014 venho digitando.
* Qualquer semelhança com a ficção é a mera realidade.
(c. a. albani da silva, o inventor do vento)


Um comentário:

  1. Obrigado pela referência ao Bairro Alto Cidade Baixa.
    https://bairroaltocidadebaixa.wordpress.com/

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