domingo, 12 de maio de 2019

OS 140 FILHOS DE MÃE NANA – parte 3



OS 140 FILHOS DE MÃE NANA – parte 3
MEDISON: Este terá mais dias alegres do que tristes. Somente nos quatro dias de Carnaval do ano de 1986 a coisa vai ficar ruim. Adiante, terá uma vida sem sobressaltos, longa e saudável. Mas sem os lirismos das boas surpresas; sem as poesias de um milagre; sem os dramas que fazem montanha-russa do compasso do nosso coração e outras bárbaras artes que nos marcam a ferro e fogo. Ele quem escolheu morrer de velho, dizendo que morrer de velho é bem mais complicado do que se matar novinho. Os dias do futuro lhe serão, deste jeito: repetições de gestos e sentimentos parecendo que nunca aconteceram antes, mas que há tempos já aconteceram, sim, como naquela olhada para trás que o fará lembrar das laranjeiras lá de casa onde brincava de esconde e esconde com o gato e ainda enchia a pança assim de laranja do céu e de umbigo e o sabor do suco, uma laranjada sem açúcar, lhe terá valido viver uma grande mudança.

FABIANA: Na Roma antiga será Fabiana quem levantará a voz e pedirá a palavra em nome das mulheres contra a escravidão do corpo. Mal sabem os historiadores, mas as arenas eram espetáculos ao ar livre de sexo explícito, escreverá. Sem moralismos, Fabi proclamará também aos quatro ventos e na jangada que leva aos 7 mares que viver sem roupas é o mesmo que usar um véu preto do dedão do pé à ponta do nariz gorduroso. O pornógrafo de Nova Iorque e o aiatolá-bispo-rabino do Irã-México-Israel lhe queimarão na mesma fogueira não sem, antes, a cortejarem e lhe oferecerem joias com ouros e modas íntimas importadas para uma noite de núpcias, tentando fazer de Fabi boa transa e não boa mártir. Ela conhecerá o World Trade Center e Meca, por dentro, mas não aceitará a patifaria desses caudilhos dos sussurros e dos gemidos de fé e prazer.

LEANDRO SIMÃO: Se comprar sapato com cadarço e meia já terá feito muito.

RAIMUNDO: O mutante Raimundo. Entreguei-o bebê de colo como voluntário, pois quem cala consente, em secretas operações militares. Acelerarão seus genes em laboratório e ele crescerá já sem os sisos, com quatro dedos em cada pé, mas com seis dedos em cada mão. Seus pulos terão a propulsão dos gatos. Ele terá um gato de estimação: Thompson. O terceiro olho que alguns monges e sacerdotes hindus já haviam desenvolvido nos últimos 3 milênios ficará permanentemente aberto na testa de Mundinho. Entretanto, não será imortal nem muito inteligente. Mas será muito musculoso e, talvez por isso - os cientistas ainda procuram explicações razoáveis - um tarado impertinente, com suas mãos-bobas de seis dedos cada. Resistirá bem ao álcool, isto é, dizem os biólogos integrantes da equipe que coordenará o projeto, em decorrência do rabo de gambá que lhe despontará na bunda depois dos 06 anos de idade. Perderá o apetite sexual conforme essa cauda crescer, o que vai levar muito tempo. Mesmo assim se negará a fazer a guerra. Por isso, a experiência será considerada um fracasso, aos olhos dos cientistas e militares, assim como, das empresas multinacionais patrocinadoras que me pagarão os direitos de propriedade sobre Mundinho rigorosamente em dia.

MARIA: Predestinada caminhante sem nem nunca sequer ter um burrico ou uma bicicleta: andará sempre de a pé. Vais caminhar a vida inteira sabendo a cada passo adiante, e mesmo a cada passo para trás e pros lados também, que melhor que qualquer chegada o que importa mesmo é o percurso de cada um e de todos nós. Nem sempre é possível desatar a todos os nós. Comprará calçados que os caminhos são muitos e as perdições também: sandálias e chinelas. Mas no verão, na Praia de Baunilha, não tem jeito: os pés nus, calejados de tão sujos de terra destinante à caminhada. A terra é o alimento dos pés. O cansaço será sua desculpa para tirar os pés do chão mas, por pouco tempo, pois cedo, logo no outro dia de manhã, recomeçará as veredas de areia, barro barro, grama & grama, asfalto frio ou quente, cerâmica quebrada ou inteira. Andar assim da pampa aos morros, pelas cidades, por fazendas. Quase sempre, aliás, anda sem saber pra onde vai, mas anda só pra esvaziar a cabeça. A cabeça quando vai cheia pesa e faz doer ainda muito mais os pés.

[...]
Continuamos, com muito orgulho, neste MÊS das MÃES, rendendo homenagens a uma grande amiga: a MÃE NANA. Mesmo sendo freira, Mãe Nana é a que teve 140 filhos e determinou o destino de cada um deles logo que os ia parindo e batizando ao som do blues, do samba e do brega, suas paixões musicais de toda uma vida, bem comprida, aliás. Para não se atrapalhar, a Mãe Nana anotou o destino, pois que maternidade é destino, de cada um dos 140 filhos num caderno de contas que desde 2014 venho digitando. Hoje lhes apresentei mais 05 dos filhos de Nana.

* Qualquer semelhança com a ficção é a mera realidade.
(c. a. albani da silva, o inventor do vento)

P. S.: Pintura por Amanda Greavette, Agarrada no Berço, 2012.

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