OS
140 FILHOS DE MÃE NANA – parte 2
DORA:
Vai ser criada por um avô, guerrilheiro tupamaro e artista
plástico. Flanará pelas águas do Rio da Prata espalhando cheiros
bons para a Montevidéu inteira. Seu avô será perseguido por livre
pensar e pintar paredes em regimes ditatoriais no Uruguai, na
Argentina, no Brasil e ao sul de Moçambique, na Praia de Baunilha.
Os olhos glaciais de Dora não serão mais belos do que seu quente
coração inquieto por causa da criatividade. Entretanto, não
passará de balconista em shopping center antes de ser telefonista de
call center, por fim, atriz em sonhos quando as noites mal dormidas
vierem. Viajará de ônibus pelas coxilhas que se alargam no Sul do
planeta, desde Santa Maria da Boca do Monte até o porto de Buenos
Aires pensando em príncipes encantados e desenhando castelos no ar.
OLÍMPIO:
Esportista, Olímpio terá saúde de ferro, aço e carnaúba. Nem
conhecerá resfriados nem febres nem dores de barriga. Halteres nos
pulsos e nos tornozelos como adereços, lutando à grega e lutando
boxe, vencendo o imortal Aquiles e Maomé Ali. No basquete se
espichará como se de borracha fosse feito, mas não será, será
feito de ferro fundido, aço flexível e carnaúba da areia da
caatinga. O engraçado é que numa maratona, já regulando na casa
dos 100 anos, um raio vai lhe cair na cabeça e depois disso vai
expor as pernas torneadas e tostadas da luz elétrica numa revista
homoafetiva. Os leitores lhe perguntarão o segredo da beleza e da
longevidade e ele achará melhor explicar com outros explicamentos do
que a genética da Mãe Nana e os raios bronzeadores: muita salada,
muita fruta, carne branca, massagem peniana, gastar meia hora por dia
pensando como seria minha vida se não fosse isso e buscando entender
que se um dia a gente perde, noutro a gente ganha em qualquer jogo os
extremos se anulam e ficamos com a coluna do meio na loteria.
SÉRGIO:
Sempre que a mulher de Sérgio sair pra fazer compras e demorar para
voltar ele chorará copiosamente com medo de perdê-la. Alguns dias,
o povo da Toca da Jiboia vai agradecer por essa choradeira, em meio a
longas estiagens nos campos que serão então inundados pelo seu
pranto. Mas, por vezes, muitos quererão ver a caveira dele, com ruas
e calçadas alagadas e plantações destruídas nos sertões.
Indiferente ao seu poder, Sérgio esperará da sala até a cozinha,
impacientemente indo e vindo, da cozinha até a sala, com frio, com
Sol, com estrelas & Lua, chuva ou seca, por Aurora das Pernas de
Fora. Quando ela botar os pés no capacho da casa, onde se lê
“Sérgio & Aurora”, será recebida por abraços infinitos e
beijinhos nas mãos, ele de joelhos; ela se justificando: “durou 43
dias a greve dos ônibus no centro comercial e eu não queria sujar
os pés”.
LISANDRA:
Dona Lisandra procurará ser impetuosa. Percorrerá o Brasil
demonstrando a si mesma e esperando ouvir de terceiros, demonstrando
aos outros, portanto, que ela tem ímpeto! No Sul, no lombo dos
cavalos, primeiro os cavalos, depois os cavaleiros, dirão que essa
mulher tem fibra. Fibra não sendo ímpeto, no seu dicionário,
ensinado por Mãe Nana com lousa negra e giz branco desde os seis
aninhos, ela partirá para o Norte. Quase oriental, vai ouvir de um
amazônico e meio que seus óculos lentes grossas lhe dão um ar
agressivo. E esta será a senha para deixar os banhos de chuva e
conversas com os mosquitos até São Paulo, capital dos rifles e da
solidão. Nesta cidade não se pode ser impetuoso, devendo-se ser
gelatinoso para se sobreviver: concluirá depois de poucos anos. No
Nordeste, dividida entre o interior, as capitais e as praias
desertas, uma fortaleza baiana, um peixe de rio e dois cocos de
coqueiro não repararão em sua chegada e partida. Isso que ela
impetuosamente tentou lhes chamar a atenção. É que vivendo em seu
tempo, espaço, ritmo e tamanho, eles não precisarão do ímpeto
dela, nem de ninguém. Até que bem chegado o dia do Mato Grosso, lá
onde os melhores jacarés do pântano lhe chamarão de cantinho e
reconhecerão, “tu és, como na TV a cabo, como um vestido
vermelho, um desfile de carnaval, coisa bem impetuosa, mulher”!
EDSON:
Não me venham com ofensas ou impropérios se fiz e farei de meus
filhos trabalhadores, podendo tê-los feito senhores de engenho,
executivos, acionistas de qualquer empresa dona do mundo mais do que
eu sou dona das minhas crias. Trabalhar é um alento pra quem não
nasceu com o cu pra lua, o que é mais do que o dobro do triplo da
gente rica e mesquinha que anda por aí. A lua que alumia e protege
nossa família é coisa instável de revoluções e ciclos que enchem
as marés e os sacos, faz de bobo os amantes e entretém o dragão,
morrendo nas mãos do São Jorge das Minas de Capadócia a cada 21
dias. Sendo assim, pequeno Edson, trate de subir nessa carroça tão
antiga quanto os cavalos selvagens que o conduzirão e ajude o seu
Manuel, outro pobre coitado, vendedor de batatas e melancias. Lave o
chão do armazém do tio Neno e cale essa boca, pensando bem antes de
reclamar de qualquer coisa. Encha de óleo e azeite de oliva as
bombas hidráulicas pra metalúrgica que lhe empregou quando bem
poderia ter empregado outro. Na padaria do Castilhos também venderão
madeira e ferragens, pois quem não sacode a poeira do dia logo
virará pó também. Todo suado, tome um banho e vá deitar, que o
sono é o melhor amigo, único, dirá o pessimista, para quem traz a
mente vazia e os músculos doídos de tanto caminhar.
[...]
Continuamos,
com muito orgulho, neste MÊS das MÃES, rendendo homenagens a uma
grande amiga: a MÃE NANA. Mesmo sendo freira, Mãe Nana é a que
teve 140 filhos e determinou o destino de cada um deles logo que os
ia parindo e batizando ao som do blues, do samba e do brega, suas
paixões musicais de toda uma vida, bem comprida, aliás. Para não
se atrapalhar, a Mãe Nana anotou o destino, pois que maternidade é
destino, de cada um dos 140 filhos num caderno de contas que desde
2014 venho digitando. Hoje lhes apresentei mais 05 dos filhos de
Nana.
P.
S.: Qualquer semelhança com a ficção é a mera realidade.
(c.
a. albani da silva, o inventor do vento)
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