sábado, 11 de maio de 2019

OS 140 FILHOS DE MÃE NANA – parte 2



OS 140 FILHOS DE MÃE NANA – parte 2

DORA: Vai ser criada por um avô, guerrilheiro tupamaro e artista plástico. Flanará pelas águas do Rio da Prata espalhando cheiros bons para a Montevidéu inteira. Seu avô será perseguido por livre pensar e pintar paredes em regimes ditatoriais no Uruguai, na Argentina, no Brasil e ao sul de Moçambique, na Praia de Baunilha. Os olhos glaciais de Dora não serão mais belos do que seu quente coração inquieto por causa da criatividade. Entretanto, não passará de balconista em shopping center antes de ser telefonista de call center, por fim, atriz em sonhos quando as noites mal dormidas vierem. Viajará de ônibus pelas coxilhas que se alargam no Sul do planeta, desde Santa Maria da Boca do Monte até o porto de Buenos Aires pensando em príncipes encantados e desenhando castelos no ar.

OLÍMPIO: Esportista, Olímpio terá saúde de ferro, aço e carnaúba. Nem conhecerá resfriados nem febres nem dores de barriga. Halteres nos pulsos e nos tornozelos como adereços, lutando à grega e lutando boxe, vencendo o imortal Aquiles e Maomé Ali. No basquete se espichará como se de borracha fosse feito, mas não será, será feito de ferro fundido, aço flexível e carnaúba da areia da caatinga. O engraçado é que numa maratona, já regulando na casa dos 100 anos, um raio vai lhe cair na cabeça e depois disso vai expor as pernas torneadas e tostadas da luz elétrica numa revista homoafetiva. Os leitores lhe perguntarão o segredo da beleza e da longevidade e ele achará melhor explicar com outros explicamentos do que a genética da Mãe Nana e os raios bronzeadores: muita salada, muita fruta, carne branca, massagem peniana, gastar meia hora por dia pensando como seria minha vida se não fosse isso e buscando entender que se um dia a gente perde, noutro a gente ganha em qualquer jogo os extremos se anulam e ficamos com a coluna do meio na loteria.

SÉRGIO: Sempre que a mulher de Sérgio sair pra fazer compras e demorar para voltar ele chorará copiosamente com medo de perdê-la. Alguns dias, o povo da Toca da Jiboia vai agradecer por essa choradeira, em meio a longas estiagens nos campos que serão então inundados pelo seu pranto. Mas, por vezes, muitos quererão ver a caveira dele, com ruas e calçadas alagadas e plantações destruídas nos sertões. Indiferente ao seu poder, Sérgio esperará da sala até a cozinha, impacientemente indo e vindo, da cozinha até a sala, com frio, com Sol, com estrelas & Lua, chuva ou seca, por Aurora das Pernas de Fora. Quando ela botar os pés no capacho da casa, onde se lê “Sérgio & Aurora”, será recebida por abraços infinitos e beijinhos nas mãos, ele de joelhos; ela se justificando: “durou 43 dias a greve dos ônibus no centro comercial e eu não queria sujar os pés”.

LISANDRA: Dona Lisandra procurará ser impetuosa. Percorrerá o Brasil demonstrando a si mesma e esperando ouvir de terceiros, demonstrando aos outros, portanto, que ela tem ímpeto! No Sul, no lombo dos cavalos, primeiro os cavalos, depois os cavaleiros, dirão que essa mulher tem fibra. Fibra não sendo ímpeto, no seu dicionário, ensinado por Mãe Nana com lousa negra e giz branco desde os seis aninhos, ela partirá para o Norte. Quase oriental, vai ouvir de um amazônico e meio que seus óculos lentes grossas lhe dão um ar agressivo. E esta será a senha para deixar os banhos de chuva e conversas com os mosquitos até São Paulo, capital dos rifles e da solidão. Nesta cidade não se pode ser impetuoso, devendo-se ser gelatinoso para se sobreviver: concluirá depois de poucos anos. No Nordeste, dividida entre o interior, as capitais e as praias desertas, uma fortaleza baiana, um peixe de rio e dois cocos de coqueiro não repararão em sua chegada e partida. Isso que ela impetuosamente tentou lhes chamar a atenção. É que vivendo em seu tempo, espaço, ritmo e tamanho, eles não precisarão do ímpeto dela, nem de ninguém. Até que bem chegado o dia do Mato Grosso, lá onde os melhores jacarés do pântano lhe chamarão de cantinho e reconhecerão, “tu és, como na TV a cabo, como um vestido vermelho, um desfile de carnaval, coisa bem impetuosa, mulher”!

EDSON: Não me venham com ofensas ou impropérios se fiz e farei de meus filhos trabalhadores, podendo tê-los feito senhores de engenho, executivos, acionistas de qualquer empresa dona do mundo mais do que eu sou dona das minhas crias. Trabalhar é um alento pra quem não nasceu com o cu pra lua, o que é mais do que o dobro do triplo da gente rica e mesquinha que anda por aí. A lua que alumia e protege nossa família é coisa instável de revoluções e ciclos que enchem as marés e os sacos, faz de bobo os amantes e entretém o dragão, morrendo nas mãos do São Jorge das Minas de Capadócia a cada 21 dias. Sendo assim, pequeno Edson, trate de subir nessa carroça tão antiga quanto os cavalos selvagens que o conduzirão e ajude o seu Manuel, outro pobre coitado, vendedor de batatas e melancias. Lave o chão do armazém do tio Neno e cale essa boca, pensando bem antes de reclamar de qualquer coisa. Encha de óleo e azeite de oliva as bombas hidráulicas pra metalúrgica que lhe empregou quando bem poderia ter empregado outro. Na padaria do Castilhos também venderão madeira e ferragens, pois quem não sacode a poeira do dia logo virará pó também. Todo suado, tome um banho e vá deitar, que o sono é o melhor amigo, único, dirá o pessimista, para quem traz a mente vazia e os músculos doídos de tanto caminhar.

[...]
Continuamos, com muito orgulho, neste MÊS das MÃES, rendendo homenagens a uma grande amiga: a MÃE NANA. Mesmo sendo freira, Mãe Nana é a que teve 140 filhos e determinou o destino de cada um deles logo que os ia parindo e batizando ao som do blues, do samba e do brega, suas paixões musicais de toda uma vida, bem comprida, aliás. Para não se atrapalhar, a Mãe Nana anotou o destino, pois que maternidade é destino, de cada um dos 140 filhos num caderno de contas que desde 2014 venho digitando. Hoje lhes apresentei mais 05 dos filhos de Nana.

P. S.: Qualquer semelhança com a ficção é a mera realidade.

(c. a. albani da silva, o inventor do vento)



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