SONHEI
COM DR. FREUD NO DIA DO ANIVERSÁRIO DO DR. FREUD
Sonhei
com Freud esta noite. Sigmund Freud, o médico austríaco criador da
psicanálise. Ele nasceu em seis de Maio de 1856 e faleceu em 1939.
Esse
grande pensador da mente humana deitou no meu divã e começou a
reclamar. Tá bom, não tenho divã, foi num sofá mesmo, de molas
antigas, que ele deitou e reclamou. O sofá é doação de uma madame
do bairro Menino Deus, praticante do desapego. Desapega das coisas
velhas que tem em casa, para comprar coisas novas. Mas voltemos ao
meu sonho. Ou melhor, a Freud. Ele sente muita falta de longas
conversas. Especialmente, ele sente saudades pois gostava de ouvir
longamente as pessoas contando seus dramas, suas histórias lá em
seu famoso consultório em Viena. Disse-me que onde está atualmente
até é bem silencioso, diferente da nossa Terra, que é muito
barulhenta, ainda mais na modernidade em que vivemos, cheia de
máquinas, carros, telefones, televisões, ônibus do ovo, da verdura
e do desinfetante.
Porém,
alcançando a eternidade, a pessoa alcança a perfeição daí que,
entre santos, heróis e anjos, ninguém tem o que se queixar, ninguém
precisa de um ombro amigo para desabafar, todos os melhores estão no
Céu, ou seja, estão no Paraíso e lá tudo é perfeito. Mas Freud
se viu sozinho e triste assim. Pensei: condição injusta para um
pesquisador que valorizou a “cura pela fala”. Ou seja, que
defendeu o DESABAFO, pois que ele pode diminuir pela metade o
sofrimento humano, as nossas angústias, crises nervosas, raivas,
depressões e outras doenças psicológicas conforme a gente vai
desabafando com alguém bom de ouvido e de paciência. Eu disse
então, fale Freud, fale, tudo isso é apenas um sonho, mas fala que
eu te escuto.
Ele
me disse para prestar mais atenção nos recalques dos recalcados se
eu gostaria de compreender melhor as pessoas do século XXI. Pois
estava claro para ele que os problemas psicológicos em grande medida
vêm das vivências (que podem ser saudáveis ou traumáticas) da
infância e da sexualidade. Aquele negócio de pais repressivos
demais ou, ao contrário, desleixados, interessados de menos nos seus
filhos. Aquele negócio dos desejos abafados, das paixões eróticas
frustradas ou secretas, dos vícios e manias na cama (ou longe dela).
Lembrei de uma frase que anotei numa de minhas músicas que diz “toda
cama arrumada está prestes a se bagunçar / mas nem toda bagunça se
resolve numa cama”. Disse-lhe também que cheguei a traduzir uma
composição de John Lennon, gravada originalmente em 1980, Beautiful
Boy, em homenagem ao filho mais novo de John, traduzida como CRIANÇA
GRANDE, pois adorei essa ideia de Freud de que uma criança habita em
nós, mesmo quando adultos ou idosos. E, como toda a criança,
podemos ser doces, fantasiosos, brincalhões, por um lado, já pelo
outro lado, podemos ser perfeitamente infantis: cheios de medos,
birras, teimosias e manhas em qualquer fase da vida!
Ele
vibrou e pediu para eu cantar para ver como tinha ficado a versão
dessa música do grande gênio dos Beatles, a maior banda da
história, que, aliás, Freud nunca ouviu, pois morreu 20 anos antes
de inventarem o rock and roll nos EUA e na Inglaterra. Porém,
infelizmente, lhe expliquei que não sabia como sair do meu sonho, ir
até a biblioteca e pegar o violão, afinar o instrumento e sair
cantando já de volta no sonho. Ele entendeu minha situação e
trocou de assunto, afirmando que o que mais lhe orgulhava era ter
descoberto o INCONSCIENTE do cérebro humano. O poder oculto do ser
humano de guardar sensações, lembranças, medos e sentimentos de
forma espontânea e irracional no fundo da cachola. Às vezes olhamos
muitas coisas sem ver e mesmo assim as memorizamos, bastando um
cheiro para nos lembrar de algo há anos esquecido. Assim como, são
nos nossos cacoetes que revelamos certas obsessões, crenças e
costumes entranhados no cada qual de cada um.
Mas
Freud, eu disse, sinto que lá vem meu despertador chamando pra mais
uma manhã de escola na Morada do Vale, portanto, antes que o nosso
encontro se acabe, fale-me mais sobre o seu livro mais famoso A
INTERPRETAÇÃO DOS SONHOS (1900). Quero compreender este próprio
sonho que vamos sonhando, eu e você. Reparei que Freud havia trazido
consigo o seu charuto e fumava faceiro poluindo o ar da minha sala.
Ele disse não haver muito mistério, para a infelicidade de muitos
místicos, videntes, profetas e religiosos honestos: os sonhos são
um grande banco de memórias e imagens do inconsciente humano. Coisas
que vivemos ou imaginamos durante o dia e se embaralham
anarquicamente na consciência que dorme, ronca, e, às vezes, peida,
durante a noite. E ele elogiou o trabalho com pinturas feitas por
pessoas com problemas mentais, em um acervo que virou o museu do
inconsciente, desenvolvido por décadas, desde 1952, pela médica
brasileira Nise da Silveira, no famoso hospício do Engenho de Dentro
no RJ.
Freud
disse estar convencido depois de ouvir e anotar milhares de sonhos da
burguesia austríaca, antes da Primeira Guerra Mundial, que os sonhos
pouco, ou nada, têm a ver com crenças premonitórias ou fenômenos
sobrenaturais. Então, armada a cilada, tentei emendar um “pega
ratão no Freud”: mas como então estamos assim, eu e você, Doutor
Freud, conversando frente a frente, cada um numa dimensão diferente
do universo? Mas o velhinho é observador e pensa ligeiro o
desgraçado. De cara, apontou para o livro na cabeceira da minha
cama: uma versão dois em um da editora L&PM de Porto Alegre com
os seus livros O FUTURO DE UMA ILUSÃO (1927) e O MAL-ESTAR NA
CULTURA (1930). Você anda me lendo, Carlos, anda pensando em mim.
Por isso, sonha comigo.
Envergonhado,
lhe dei um abraço de feliz aniversário. Na mesma hora soou o
despertador. 6H30 da manhã. Nem sinal de Freud no quarto, só
Cevinha que se lambia e miava pedindo rua. No espelho do banheiro,
lavando a cara, reparei um furo no meio de uma mancha amarela na
camiseta do meu pijama. Parecia de cigarro. Na cama, fui conferir,
cinzas de um charuto, sendo que, realmente, gosto de beber uma
cervejinha no verão, tomar um vinho no inverno, mas não, nunca,
sequer uma vez na vida, fui fumante.
(c. a. albani da silva, o inventor do vento, 08/05/2019)
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