segunda-feira, 6 de maio de 2019

SONHEI COM DR. FREUD NO DIA DO ANIVERSÁRIO DO DR. FREUD



SONHEI COM DR. FREUD NO DIA DO ANIVERSÁRIO DO DR. FREUD

Sonhei com Freud esta noite. Sigmund Freud, o médico austríaco criador da psicanálise. Ele nasceu em seis de Maio de 1856 e faleceu em 1939.

Esse grande pensador da mente humana deitou no meu divã e começou a reclamar. Tá bom, não tenho divã, foi num sofá mesmo, de molas antigas, que ele deitou e reclamou. O sofá é doação de uma madame do bairro Menino Deus, praticante do desapego. Desapega das coisas velhas que tem em casa, para comprar coisas novas. Mas voltemos ao meu sonho. Ou melhor, a Freud. Ele sente muita falta de longas conversas. Especialmente, ele sente saudades pois gostava de ouvir longamente as pessoas contando seus dramas, suas histórias lá em seu famoso consultório em Viena. Disse-me que onde está atualmente até é bem silencioso, diferente da nossa Terra, que é muito barulhenta, ainda mais na modernidade em que vivemos, cheia de máquinas, carros, telefones, televisões, ônibus do ovo, da verdura e do desinfetante.

Porém, alcançando a eternidade, a pessoa alcança a perfeição daí que, entre santos, heróis e anjos, ninguém tem o que se queixar, ninguém precisa de um ombro amigo para desabafar, todos os melhores estão no Céu, ou seja, estão no Paraíso e lá tudo é perfeito. Mas Freud se viu sozinho e triste assim. Pensei: condição injusta para um pesquisador que valorizou a “cura pela fala”. Ou seja, que defendeu o DESABAFO, pois que ele pode diminuir pela metade o sofrimento humano, as nossas angústias, crises nervosas, raivas, depressões e outras doenças psicológicas conforme a gente vai desabafando com alguém bom de ouvido e de paciência. Eu disse então, fale Freud, fale, tudo isso é apenas um sonho, mas fala que eu te escuto.

Ele me disse para prestar mais atenção nos recalques dos recalcados se eu gostaria de compreender melhor as pessoas do século XXI. Pois estava claro para ele que os problemas psicológicos em grande medida vêm das vivências (que podem ser saudáveis ou traumáticas) da infância e da sexualidade. Aquele negócio de pais repressivos demais ou, ao contrário, desleixados, interessados de menos nos seus filhos. Aquele negócio dos desejos abafados, das paixões eróticas frustradas ou secretas, dos vícios e manias na cama (ou longe dela). Lembrei de uma frase que anotei numa de minhas músicas que diz “toda cama arrumada está prestes a se bagunçar / mas nem toda bagunça se resolve numa cama”. Disse-lhe também que cheguei a traduzir uma composição de John Lennon, gravada originalmente em 1980, Beautiful Boy, em homenagem ao filho mais novo de John, traduzida como CRIANÇA GRANDE, pois adorei essa ideia de Freud de que uma criança habita em nós, mesmo quando adultos ou idosos. E, como toda a criança, podemos ser doces, fantasiosos, brincalhões, por um lado, já pelo outro lado, podemos ser perfeitamente infantis: cheios de medos, birras, teimosias e manhas em qualquer fase da vida!

Ele vibrou e pediu para eu cantar para ver como tinha ficado a versão dessa música do grande gênio dos Beatles, a maior banda da história, que, aliás, Freud nunca ouviu, pois morreu 20 anos antes de inventarem o rock and roll nos EUA e na Inglaterra. Porém, infelizmente, lhe expliquei que não sabia como sair do meu sonho, ir até a biblioteca e pegar o violão, afinar o instrumento e sair cantando já de volta no sonho. Ele entendeu minha situação e trocou de assunto, afirmando que o que mais lhe orgulhava era ter descoberto o INCONSCIENTE do cérebro humano. O poder oculto do ser humano de guardar sensações, lembranças, medos e sentimentos de forma espontânea e irracional no fundo da cachola. Às vezes olhamos muitas coisas sem ver e mesmo assim as memorizamos, bastando um cheiro para nos lembrar de algo há anos esquecido. Assim como, são nos nossos cacoetes que revelamos certas obsessões, crenças e costumes entranhados no cada qual de cada um.

Mas Freud, eu disse, sinto que lá vem meu despertador chamando pra mais uma manhã de escola na Morada do Vale, portanto, antes que o nosso encontro se acabe, fale-me mais sobre o seu livro mais famoso A INTERPRETAÇÃO DOS SONHOS (1900). Quero compreender este próprio sonho que vamos sonhando, eu e você. Reparei que Freud havia trazido consigo o seu charuto e fumava faceiro poluindo o ar da minha sala. Ele disse não haver muito mistério, para a infelicidade de muitos místicos, videntes, profetas e religiosos honestos: os sonhos são um grande banco de memórias e imagens do inconsciente humano. Coisas que vivemos ou imaginamos durante o dia e se embaralham anarquicamente na consciência que dorme, ronca, e, às vezes, peida, durante a noite. E ele elogiou o trabalho com pinturas feitas por pessoas com problemas mentais, em um acervo que virou o museu do inconsciente, desenvolvido por décadas, desde 1952, pela médica brasileira Nise da Silveira, no famoso hospício do Engenho de Dentro no RJ.

Freud disse estar convencido depois de ouvir e anotar milhares de sonhos da burguesia austríaca, antes da Primeira Guerra Mundial, que os sonhos pouco, ou nada, têm a ver com crenças premonitórias ou fenômenos sobrenaturais. Então, armada a cilada, tentei emendar um “pega ratão no Freud”: mas como então estamos assim, eu e você, Doutor Freud, conversando frente a frente, cada um numa dimensão diferente do universo? Mas o velhinho é observador e pensa ligeiro o desgraçado. De cara, apontou para o livro na cabeceira da minha cama: uma versão dois em um da editora L&PM de Porto Alegre com os seus livros O FUTURO DE UMA ILUSÃO (1927) e O MAL-ESTAR NA CULTURA (1930). Você anda me lendo, Carlos, anda pensando em mim. Por isso, sonha comigo.

Envergonhado, lhe dei um abraço de feliz aniversário. Na mesma hora soou o despertador. 6H30 da manhã. Nem sinal de Freud no quarto, só Cevinha que se lambia e miava pedindo rua. No espelho do banheiro, lavando a cara, reparei um furo no meio de uma mancha amarela na camiseta do meu pijama. Parecia de cigarro. Na cama, fui conferir, cinzas de um charuto, sendo que, realmente, gosto de beber uma cervejinha no verão, tomar um vinho no inverno, mas não, nunca, sequer uma vez na vida, fui fumante.
(c. a. albani da silva, o inventor do vento, 08/05/2019)

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