UMA
GREVE de ESTUDANTES*
*
Conto extraído da bola de cristal do Vidente Xalalá, aquela que
parou de funcionar há muito tempo porque deu tilt
Em
fevereiro de 2011, na Praça Tahrir, Egito, Mahmed,
22 anos, conversava com o jornalista inglês Chris Orwell,
70 anos, que viveu na Argélia durante a guerra de
descolonização contra o Império francês, em 1962, e participara
também da rebelião jovem que sacudiu Paris e a
França a partir das escolas e universidades em Maio de 1968.
[...]
“Mahmed, os jovens franceses tomaram as ruas,
prédios públicos, fábricas, praças a partir das universidades -
Nanterre, Sorbonne, do bairro que era nosso reduto, o Quartier Latin:
isso foi de uma ousadia inédita em meio ao conformismo da sociedade
de consumo. E quando as centrais sindicais declararam greve geral, de
13 a 30 maio de 68, com cerca de 10 milhões de operários cruzando
os braços, o presidente Charles De
Gaulle, herói das guerras mundiais, e
a elite francesa estremeceram. Metade do país ficou à espera da
revolução, de alguma revolução; a outra metade (que depois também
sairia às ruas aos milhares e elegeria um novo Congresso amplamente
conservador) ficou assustada, desconfiada de tudo. Mas foi somente
com a greve geral da classe trabalhadora que passamos de um levante
essencialmente simbólico e espontâneo, nascido da
insatisfação universitária e atuando como um desabafo coletivo,
para afetarmos diretamente a economia, ameaçando assim os
privilegiados”.
Enquanto Orwell fazia
seu relato, a Praça Tahrir inteira cantava acerca da primavera,
daquela, a Primavera
Árabe, e
de outras, passadas e futuras. A primavera não é apenas uma
estação, mas um estado de espírito. Ao som de suas próprias
palmas, 100, 120 ou 1120 rapazes e moças entoavam uma prece
a Mohamed Bouazizi,
27 anos,
que tocou fogo no próprio corpo protestando contra o desemprego, a
inflação, a falta de perspectivas, na Tunísia, em
2011. Começava assim a rebelião no norte africano e no Oriente
Médio que derrubou velhas ditaduras.
[...]
“Em momentos como o que vivemos agora, Chris,
lhe pergunto: optamos pelo realismo ou pelo romantismo”?
Evitando
respostas fáceis, Chris
O. entregou
a Mahmed um
velho bloco de notas seu, já bastante amarelado. Na capa, um título:
“Anotações de 1968”;
no miolo, pensamentos manuscritos acompanhados de comentários entre
parênteses...
Minhas
leituras das leituras de Max Beer (1864-1943)
“Autoridades
de Jerusalém [...], os abrigos em que vocês confiam não são
seguros; eles serão destruídos por chuvas de pedra, serão
arrasados por trombas-d´água”.
Isaías,
capítulo 28, versículo 17. (A rebeldia em estado bruto)
“Há
uma desvantagem adicional à propriedade comum: quanto maior o número
de proprietários, menor o respeito à propriedade. As gentes são
muito mais cuidadosas com suas próprias posses do que com os bens
comunais; exercitam o cuidado com a propriedade pública apenas
quando isso as afeta de maneira pessoal”.
Aristóteles,
Política, Parte II. (Sempre discordei desse cara,
tipicamente de direita).
“Porque
ele (o Pai) faz com que o sol brilhe sobre os bons e sobre os maus e
dá chuvas tanto para os que fazem o bem como para os que fazem o
mal”.
Sermão
da Montanha, Jesus segundo Mateus,
capítulo 5, versículo 46.(Deus, ainda irão longe as injustiças
então? Há que se garantir ao menos o livre-arbítrio).
“A
História é uma disciplina largamente cultivada entre as nações e
raças. É avidamente procurada. O homem da rua e o povo vulgar
aspiram a conhecê-la. Os reis e os chefes disputam-na”.
Averróis (Ao
falar das lutas sociais na Idade Média, Max Beer enfocou os
heréticos cátaros, mas preferi beber em outra fonte medieval: a
sabedoria muçulmana).
“Foi
Utopus (o mesmo que rebatizou a ilha de Abraxas como Utopia) que
elevou homens ignorantes e rústicos a um grau de cultura e
civilização que nenhum outro povo parece ter alcançado
atualmente”.
Tomás
Morus, A Utopia. (A esperança
de que a democracia se aprende e se ensina).
“Empunharam,
à guisa de bandeira, a trouxa de mendigo do proletário, para
conclamar o povo à sua volta. Mas todas as vezes que este
dispunha-se a segui-las, divisava-lhes nas costas os velhos brasões
feudais e então se dispersava com gargalhadas insolentes”.
Marx e Engels, Manifesto
Comunista de 1848 (Cumprem, a imprensa, a
polícia e os políticos demagogos, atualmente, o papel que cabia aos
aristocratas no século 19?).
(c.
a. albani da silva, o inventor do vento)
P.
S.: Ilustração por Antonio Manuel, 1968.
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