quarta-feira, 15 de maio de 2019

UMA GREVE de ESTUDANTES



UMA GREVE de ESTUDANTES*
* Conto extraído da bola de cristal do Vidente Xalalá, aquela que parou de funcionar há muito tempo porque deu tilt

Em fevereiro de 2011, na Praça Tahrir, Egito, Mahmed, 22 anos, conversava com o jornalista inglês Chris Orwell, 70 anos, que viveu na Argélia durante a guerra de descolonização contra o Império francês, em 1962, e participara também da rebelião jovem que sacudiu Paris e a França a partir das escolas e universidades em Maio de 1968.
            [...] “Mahmed, os jovens franceses tomaram as ruas, prédios públicos, fábricas, praças a partir das universidades - Nanterre, Sorbonne, do bairro que era nosso reduto, o Quartier Latin: isso foi de uma ousadia inédita em meio ao conformismo da sociedade de consumo. E quando as centrais sindicais declararam greve geral, de 13 a 30 maio de 68, com cerca de 10 milhões de operários cruzando os braços, o presidente Charles De Gaulle, herói das guerras mundiais, e a elite francesa estremeceram. Metade do país ficou à espera da revolução, de alguma revolução; a outra metade (que depois também sairia às ruas aos milhares e elegeria um novo Congresso amplamente conservador) ficou assustada, desconfiada de tudo. Mas foi somente com a greve geral da classe trabalhadora que passamos de um levante essencialmente  simbólico e espontâneo, nascido da insatisfação universitária e atuando como um desabafo coletivo, para afetarmos diretamente a economia, ameaçando assim os privilegiados”.
               Enquanto Orwell fazia seu relato, a Praça Tahrir inteira cantava acerca da primavera, daquela, a Primavera Árabe, e de outras, passadas e futuras. A primavera não é apenas uma estação, mas um estado de espírito. Ao som de suas próprias palmas, 100, 120 ou 1120 rapazes e moças entoavam uma prece a Mohamed Bouazizi, 27 anos, que tocou fogo no próprio corpo protestando contra o desemprego, a inflação, a falta de perspectivas, na Tunísia, em 2011. Começava assim a rebelião no norte africano e no Oriente Médio que derrubou velhas ditaduras.
            [...] “Em momentos como o que vivemos agora, Chris, lhe pergunto: optamos pelo realismo ou pelo romantismo”?
            Evitando respostas fáceis, Chris O. entregou a Mahmed um velho bloco de notas seu, já bastante amarelado. Na capa, um título: “Anotações de 1968”; no miolo, pensamentos manuscritos acompanhados de comentários entre parênteses...

Minhas leituras das leituras de Max Beer (1864-1943)

Autoridades de Jerusalém [...], os abrigos em que vocês confiam não são seguros; eles serão destruídos por chuvas de pedra, serão arrasados por trombas-d´água”.
Isaías, capítulo 28, versículo 17. (A rebeldia em estado bruto)

Há uma desvantagem adicional à propriedade comum: quanto maior o número de proprietários, menor o respeito à propriedade. As gentes são muito mais cuidadosas com suas próprias posses do que com os bens comunais; exercitam o cuidado com a propriedade pública apenas quando isso as afeta de maneira pessoal”.
Aristóteles, Política, Parte II. (Sempre discordei desse cara, tipicamente de direita).

Porque ele (o Pai) faz com que o sol brilhe sobre os bons e sobre os maus e dá chuvas tanto para os que fazem o bem como para os que fazem o mal”.
Sermão da MontanhaJesus segundo Mateus, capítulo 5, versículo 46.(Deus, ainda irão longe as injustiças então? Há que se garantir ao menos o livre-arbítrio).

A História é uma disciplina largamente cultivada entre as nações e raças. É avidamente procurada. O homem da rua e o povo vulgar aspiram a conhecê-la. Os reis e os chefes disputam-na”.
Averróis (Ao falar das lutas sociais na Idade Média, Max Beer enfocou os heréticos cátaros, mas preferi beber em outra fonte medieval: a sabedoria muçulmana).

Foi Utopus (o mesmo que rebatizou a ilha de Abraxas como Utopia) que elevou homens ignorantes e rústicos a um grau de cultura e civilização que nenhum outro povo parece ter alcançado atualmente”.
Tomás Morus, A Utopia(A esperança de que a democracia se aprende e se ensina).

Empunharam, à guisa de bandeira, a trouxa de mendigo do proletário, para conclamar o povo à sua volta. Mas todas as vezes que este dispunha-se a segui-las, divisava-lhes nas costas os velhos brasões feudais e então se dispersava com gargalhadas insolentes”.
Marx EngelsManifesto Comunista de 1848 (Cumprem, a imprensa, a polícia e os políticos demagogos, atualmente, o papel que cabia aos aristocratas no século 19?).
(c. a. albani da silva, o inventor do vento)

P. S.: Ilustração por Antonio Manuel, 1968.

Nenhum comentário:

Postar um comentário