terça-feira, 21 de maio de 2019

SER MÃE NA ANTIGUIDADE



SER MÃE NA ANTIGUIDADE
Na frente da caverna havia uma parada de ônibus. Desde a pré-história o HOMO TARARAKA esperava o transporte coletivo. Foi quando aconteceu de MÃE NANA passar por ali. Lenço na cabeça, decote na blusinha do brechó, batom cor de carmim e uma prosa infinita. Lembrava dos tempos quando foi mãe, pela primeira vez, na ANTIGUIDADE. Para quem teve 140 filhos e viveu bastante, Mãe Nana foi testemunha ocular da vida materna nas sociedades de pequena escala: onde prevalecia o trabalho agrícola, o artesanato, o pastoreio, a caça e a pesca para sobreviver. O Homo Tararaka só balançava a cabeça concordando com tudo que ela dizia.

Lembro, Tararaka, falava a Mãe Nana tão alto e empoderada que as pessoas do outro lado da avenida, na parada do ônibus que corria no sentido contrário, ouviam também o seu discurso, lembro de quando tudo isso era campo, ela disse. Campo, pedra polida e pedra lascada. E sabe como a gente dava a luz? Ganhei nenê sozinha em cima de sambaqui que é uma montanha de concha na praia; ganhei filho com o auxílio de parteiras que eram que nem feiticeiras de mulher barriguda, na roça; ganhei nenê até mesmo em festas comunitárias com toda a aldeia envolvida, na floresta. Hoje, eu vejo guria, mãe de primeira viagem, reclamando de fazer o pré-natal! Que que é a preguiça, né? Na hora do tesão não tem preguiça, seu Tararaka. E o homem das cavernas sorriu um sorriso de dentes cariados, mas sacanas de quem, desde as cavernas, sabia que a humanidade havia descoberto o fogo e que ele é ruim de apagar.

Porém a mortalidade entre as crianças e as mães era muito alta. Assim como, havia o abandono de recém-nascidos, muitas vezes, isso ocorria quando eram gêmeos que nasciam, ou deficientes de algum tipo, ou quando muitas meninas nasciam em sequência. Havia abandono e infanticídio também quando o parto ocorria antes do último filho ter mais de 02 anos. Sim, Tararaka, eu tive mais do que os 140 filhos que vivem hoje pelo mundo moderno. É que nem todos vingaram… E família muito grande, você sabe, é bem complicado!

Mas você sabe também, homem primata, melhor do que eu, que vim um pouco depois de você na História: o início da vida para vários povos antigos não era no nascimento! Podia ser desde o ato sexual dos pais, como em vários países da África negra; quando a criança recebia um nome, como entre os povos malaios da Oceania; ou quando viravam adultos, como entre muitos índios da Amazônia.

Viu o que dá não estudar, Homo Tararaka? Ao invés quis ficar por aí dando de porrete nos outros homens das cavernas, agora tu nem sabe que a lenda que deu origem ao nome cesariana é em homenagem ao general romano Júlio César, o mais famoso homem a nascer de operação na Antiguidade, 100 anos a.C. Fiz muita cesariana, mas sempre preferi o parto normal. E alisou a pança a Mãe Nana. Cicatrizes de nascimentos que eram como medalhas para um soldado.

Agora você fica olhando meus peitos que nem tarado, Homo Tararaka, e nem sabe que as mulheres dos povos nômades amamentavam até os 03 anos de idade as suas crias. Já as mulheres agricultoras até os 02 anos de idade. Por isso, os bebês antigos mamavam 4 vezes por hora numa média de 2 minutos. Nessas condições antigas, a criança ficava 90% do tempo junto ao corpo da mãe: enrolada em faixas, bolsas e pranchas com xales. É, meu amigo, cabeça dura, não havia carrinho de bebê naquela época, pra deixar essa gente fria e alienada desde cedo, como hoje em dia na cidade grande. E não me olhe com cara de besta só porque você é ruim de fazer conta. Deixe de ser um pré-histórico e vá comprar uma calculadora que ela já te basta pra essa aritmética e também pros teus talhos de acém que tu compras toda semana no açougue da esquina. Aliás, vejo que está indo pra lá, né não?

Nem sobre a paternidade você sabe qualquer coisa, hein? Os homens são bem menos participativos na criação dos filhos do que os machos avestruzes! Mas tem bicho pior que os homens, por incrível que pareça, tem os chimpanzés! Querem fazer filho, mas não querem criar! Não seja um chimpanzé com sua namorada, Homo Tararaka, ajude-a!

Sorte da mulherada antiga que no mundo pré-moderno havia muitos cuidadores diferentes para uma criança. Os tios, os avós, irmãos e até toda a tribo ou aldeia ajudavam bastante os pais biológicos. É que as famílias eram extensas, com dezenas de pessoas e bastante misturadas.

Homo Tararaka foi abrir a boca, parecendo que ia falar alguma coisa, não se sabe se do ônibus que não vinha, dos peitos fartos de Mãe Nana ou sobre a História Antiga, antes de terminar, porém, Mãe Nana já saiu falando, sempre em voz alta, adivinhando o pensamento dos outros: não havia esse negócio de choro de nenê! Os antigos atendiam prontamente os filhos, até porque ficavam mais horas com eles vivendo em suas atividades artesanais ou agrícolas. Sendo que o choro, teorizou Mãe Nana, não ensina nada a ninguém, a não ser ficar manhoso, recalcado e problemático na vida adulta.

Uma moça de óculos escuros, na parada do outro lado da rua, fazia cara feia pra gritaria de Mãe Nana e puxava seu fone de ouvido da bolsa. Dois adolescentes de skate na mão davam risada da cena insólita: um típico homem de neandertal e uma típica Mãe Nana conversando. Mãe Nana encarou os cidadãos e meio que dando uma indireta pra eles, falou, ainda mais alto, que entre os povos nômades a punição era mínima ou apenas de algumas palmadas nos filhos. Já entre os povos antigos que viviam do pastoreio ou de uma agricultura mais intensa, a punição dos pais também era mais severa: tinham medo de as crianças atrapalharem na propriedade dos animais, dos bois, das cabras e ovelhas ou mesmo que esculhambassem a lavoura e os silos.

Nisso passou o transporte escolar, que pegou os dois moleques da parada. Mãe Nana prosseguiu o raciocínio dizendo que, raramente, existia uma escola com séries, assim como, poucos tinham acesso à escrita e à leitura na IDADE ANTIGA. Por outro lado, as crianças se misturavam bastante com jovens de todas as idades. Por isso, a brincadeira era o grande aprendizado. As crianças imitavam as atividades adultas: faziam lanças, arcos e flechas em miniatura, caçavam e montavam casas em árvores, fazendo maquetes e miniaturas de animais, canoas e redes, futricando em plantas e bichos. Para Mãe Nana, que detestava o futebol, as brincadeiras não eram competitivas: não valiam ponto nenhum, nem ninguém ganhava ou perdia na Antiguidade, enquanto brincava. Havia poucos brinquedos e quando havia eram feitos pelas próprias crianças ou pelos pais. Boneca de sabugo de milho, tive muitas, Homo Tararaka, e até pingou uma lágrima no olho esquerdo de Mãe Nana, que é o olho do coração, portanto, das lembranças e das saudades. Mas ela tratou de enxugar rapidinho o choro pra não borrar a maquiagem.

Outra grande forma de aprender sobre os antepassados, os deuses e a natureza, era com as histórias em volta de uma fogueira, disse Mãe Nana no que acudiu veementemente com a cabeça o Homo Tararaka. Não se sabe se relembrando as danças da chuva e da primavera envolta das fogueiras pré-históricas ou se porque finalmente vinha o ônibus, que o Homo Tararaka esperava há séculos, rumo ao açougue da Lapa.

Quando ficou sozinha na parada, Mãe Nana teve a sensação de ter falado duas horas com um adolescente. Maldosa, como sempre, mas na mesma proporção tendo um pensamento ligeiro, ela lembrou também que não havia adolescência na Antiguidade. As crianças saíam da infância direto para os compromissos adultos logo aos 13, 14 ou 15 anos de idade. Menina ou menino, tanto fazia. Sem essa interminável fase de transição entre ser criança e ser adulto que vai dos 15 aos 30 anos, alguns até mais.

Da sacola da feira, tirou um livro de Jared Diamond e ficou lendo o mundo até ontem, encostada no abrigo da parada de ônibus. Esquecida da hora e dos seus filhos problemáticos que faziam o mundo de hoje ser como é.
(c. a. albani da silva, o inventor do vento)

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