SER
MÃE NA ANTIGUIDADE
Na
frente da caverna havia uma parada de ônibus. Desde a pré-história
o HOMO TARARAKA esperava o transporte coletivo. Foi quando aconteceu
de MÃE NANA passar por ali. Lenço na cabeça, decote na blusinha do
brechó, batom cor de carmim e uma prosa infinita. Lembrava dos
tempos quando foi mãe, pela primeira vez, na ANTIGUIDADE. Para quem
teve 140 filhos e viveu bastante, Mãe Nana foi testemunha ocular da
vida materna nas sociedades de pequena escala: onde prevalecia o
trabalho agrícola, o artesanato, o pastoreio, a caça e a pesca para
sobreviver. O Homo Tararaka só balançava a cabeça concordando com
tudo que ela dizia.
Lembro,
Tararaka, falava a Mãe Nana tão alto e empoderada que as pessoas do
outro lado da avenida, na parada do ônibus que corria no sentido
contrário, ouviam também o seu discurso, lembro de quando tudo isso
era campo, ela disse. Campo, pedra polida e pedra lascada. E sabe
como a gente dava a luz? Ganhei nenê sozinha em cima de sambaqui que
é uma montanha de concha na praia; ganhei filho com o auxílio de
parteiras que eram que nem feiticeiras de mulher barriguda, na roça;
ganhei nenê até mesmo em festas comunitárias com toda a aldeia
envolvida, na floresta. Hoje, eu vejo guria, mãe de primeira viagem,
reclamando de fazer o pré-natal! Que que é a preguiça, né? Na
hora do tesão não tem preguiça, seu Tararaka. E o homem das
cavernas sorriu um sorriso de dentes cariados, mas sacanas de quem,
desde as cavernas, sabia que a humanidade havia descoberto o fogo e
que ele é ruim de apagar.
Porém
a mortalidade entre as crianças e as mães era muito alta. Assim
como, havia o abandono de recém-nascidos, muitas vezes, isso ocorria
quando eram gêmeos que nasciam, ou deficientes de algum tipo, ou
quando muitas meninas nasciam em sequência. Havia abandono e
infanticídio também quando o parto ocorria antes do último filho
ter mais de 02 anos. Sim, Tararaka, eu tive mais do que os 140 filhos
que vivem hoje pelo mundo moderno. É que nem todos vingaram… E
família muito grande, você sabe, é bem complicado!
Mas
você sabe também, homem primata, melhor do que eu, que vim um pouco
depois de você na História: o início da vida para vários povos
antigos não era no nascimento! Podia ser desde o ato sexual dos
pais, como em vários países da África negra; quando a criança
recebia um nome, como entre os povos malaios da Oceania; ou quando
viravam adultos, como entre muitos índios da Amazônia.
Viu
o que dá não estudar, Homo Tararaka? Ao invés quis ficar por aí
dando de porrete nos outros homens das cavernas, agora tu nem sabe
que a lenda que deu origem ao nome cesariana é em homenagem ao
general romano Júlio César, o mais famoso homem a nascer de
operação na Antiguidade, 100 anos a.C. Fiz muita cesariana, mas
sempre preferi o parto normal. E alisou a pança a Mãe Nana.
Cicatrizes de nascimentos que eram como medalhas para um soldado.
Agora
você fica olhando meus peitos que nem tarado, Homo Tararaka, e nem
sabe que as mulheres dos povos nômades amamentavam até os 03 anos
de idade as suas crias. Já as mulheres agricultoras até os 02 anos
de idade. Por isso, os bebês antigos mamavam 4 vezes por hora numa
média de 2 minutos. Nessas condições antigas, a criança ficava
90% do tempo junto ao corpo da mãe: enrolada em faixas, bolsas e
pranchas com xales. É, meu amigo, cabeça dura, não havia carrinho
de bebê naquela época, pra deixar essa gente fria e alienada desde
cedo, como hoje em dia na cidade grande. E não me olhe com cara de
besta só porque você é ruim de fazer conta. Deixe de ser um
pré-histórico e vá comprar uma calculadora que ela já te basta
pra essa aritmética e também pros teus talhos de acém que tu
compras toda semana no açougue da esquina. Aliás, vejo que está
indo pra lá, né não?
Nem
sobre a paternidade você sabe qualquer coisa, hein? Os homens são
bem menos participativos na criação dos filhos do que os machos
avestruzes! Mas tem bicho pior que os homens, por incrível que
pareça, tem os chimpanzés! Querem fazer filho, mas não querem
criar! Não seja um chimpanzé com sua namorada, Homo Tararaka,
ajude-a!
Sorte
da mulherada antiga que no mundo pré-moderno havia muitos cuidadores
diferentes para uma criança. Os tios, os avós, irmãos e até toda
a tribo ou aldeia ajudavam bastante os pais biológicos. É que as
famílias eram extensas, com dezenas de pessoas e bastante
misturadas.
Homo
Tararaka foi abrir a boca, parecendo que ia falar alguma coisa, não
se sabe se do ônibus que não vinha, dos peitos fartos de Mãe Nana
ou sobre a História Antiga, antes de terminar, porém, Mãe Nana já
saiu falando, sempre em voz alta, adivinhando o pensamento dos
outros: não havia esse negócio de choro de nenê! Os antigos
atendiam prontamente os filhos, até porque ficavam mais horas com
eles vivendo em suas atividades artesanais ou agrícolas. Sendo que o
choro, teorizou Mãe Nana, não ensina nada a ninguém, a não ser
ficar manhoso, recalcado e problemático na vida adulta.
Uma
moça de óculos escuros, na parada do outro lado da rua, fazia cara
feia pra gritaria de Mãe Nana e puxava seu fone de ouvido da bolsa.
Dois adolescentes de skate na mão davam risada da cena insólita: um
típico homem de neandertal e uma típica Mãe Nana conversando. Mãe
Nana encarou os cidadãos e meio que dando uma indireta pra eles,
falou, ainda mais alto, que entre os povos nômades a punição era
mínima ou apenas de algumas palmadas nos filhos. Já entre os povos
antigos que viviam do pastoreio ou de uma agricultura mais intensa, a
punição dos pais também era mais severa: tinham medo de as
crianças atrapalharem na propriedade dos animais, dos bois, das
cabras e ovelhas ou mesmo que esculhambassem a lavoura e os silos.
Nisso
passou o transporte escolar, que pegou os dois moleques da parada.
Mãe Nana prosseguiu o raciocínio dizendo que, raramente, existia
uma escola com séries, assim como, poucos tinham acesso à escrita e
à leitura na IDADE ANTIGA. Por outro lado, as crianças se
misturavam bastante com jovens de todas as idades. Por isso, a
brincadeira era o grande aprendizado. As crianças imitavam as
atividades adultas: faziam lanças, arcos e flechas em miniatura,
caçavam e montavam casas em árvores, fazendo maquetes e miniaturas
de animais, canoas e redes, futricando em plantas e bichos. Para Mãe
Nana, que detestava o futebol, as brincadeiras não eram
competitivas: não valiam ponto nenhum, nem ninguém ganhava ou
perdia na Antiguidade, enquanto brincava. Havia poucos brinquedos e
quando havia eram feitos pelas próprias crianças ou pelos pais.
Boneca de sabugo de milho, tive muitas, Homo Tararaka, e até pingou
uma lágrima no olho esquerdo de Mãe Nana, que é o olho do coração,
portanto, das lembranças e das saudades. Mas ela tratou de enxugar
rapidinho o choro pra não borrar a maquiagem.
Outra
grande forma de aprender sobre os antepassados, os deuses e a
natureza, era com as histórias em volta de uma fogueira, disse Mãe
Nana no que acudiu veementemente com a cabeça o Homo Tararaka. Não
se sabe se relembrando as danças da chuva e da primavera envolta das
fogueiras pré-históricas ou se porque finalmente vinha o ônibus,
que o Homo Tararaka esperava há séculos, rumo ao açougue da Lapa.
Quando
ficou sozinha na parada, Mãe Nana teve a sensação de ter falado
duas horas com um adolescente. Maldosa, como sempre, mas na mesma
proporção tendo um pensamento ligeiro, ela lembrou também que não
havia adolescência na Antiguidade. As crianças saíam da infância
direto para os compromissos adultos logo aos 13, 14 ou 15 anos de
idade. Menina ou menino, tanto fazia. Sem essa interminável fase de
transição entre ser criança e ser adulto que vai dos 15 aos 30
anos, alguns até mais.
Da
sacola da feira, tirou um livro de Jared Diamond e ficou lendo o
mundo até ontem, encostada no abrigo da parada de ônibus. Esquecida
da hora e dos seus filhos problemáticos que faziam o mundo de hoje
ser como é.
(c.
a. albani da silva, o inventor do vento)
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